Resgatando a história da varíola

por | jul 6, 2022 | Artigos Técnicos

A varíola é conhecida desde 2000 a.C. na China e Leste da Asia, chegando na Europa 710 d.C. através das batalhas das antigas Cruzadas e migrações de populações, e nas Américas em 1519 com a conquista do império Asteca. A varíola assombrava a Europa com pragas endêmicas no sec. XVIII até sua erradicação com seu último relato de caso da doença na Somália em 1977. Como prevenção na tentativa de evitar e curar a varíola, curandeiros chineses inventam a variolação, uma técnica em que as crostas de lesões de pessoas doentes eram transformas em pó para ser inalado.

Apesar de naquela época as diferenças de estirpes entre virulentas e menos virulentas não serem conhecidas, essa técnica ganha atualizações como inoculação de fluidos por arranhões nos braços e passa a ser praticada em muitos lugares do mundo. Na década de 50 dos anos de 1700, o inglês Eduard Jenner foi variolado aos 13 anos e dedicou sua vida aos estudos e disseminação dos benefícios da vacinação. Jenner teve a ideia da vacinação quando um antigo professor lhe trouxe notícias sobre uma ordenhadora de vacas que ser tornara protegida da infecção por varíola após ter contraído lesões brandas nas mãos em contato com vacas portadoras de cowpox, o vírus da varíola bovina.

Em 1796 Jenner vacinou um menino de 8 anos, James Phipps, com o material colhido da mão da ordenhadora Sarah Nelmes. James nunca adquiriu varíola, mesmo sendo exposto ao vírus da varíola inoculado com material de lesões de pessoas infectadas. Jenner propôs a erradicação da varíola em 1801, e em 1950 a OMS (Organização Mundial de Saúde) adota metas de erradicação da varíola para as Américas, que levaria 8 anos e posteriormente lança o programa mundial para a erradicação. Para a produção segura da vacina em larga escala, foi feito a inoculação de fluidos nos flancos de bovinos com a estirpe original colhida das mãos da ordenhadora Sarah Nelmes em culturas de células. Em determinado momento, que ainda é um mistério da ciência, o vírus isolado por Jenner foi inexplicavelmente substituído pelo vírus vaccínia que tem uma relação com o vírus camelpox, varíola do camelo. Esse fato somente foi conhecido mais recentemente, através dos conhecimentos de determinação do sequenciamento genômico dos vírus.

A varíola nos dias atuais

Hoje a varíola está erradica e com o sequenciamento genético do vírus da varíola, vírus cowpox e do vírus vaccínia, foi proposto a eliminação dos estoques dos vírus, o que é ainda intensamente debatido pois alguns segmentos consideram a manutenção dos vírus importantes para estudos futuros.

Os efeitos da erradicação da varíola antes do desenvolvimento de ferramentas diagnósticas e moleculares mais modernas, traz a preocupação do surgimento de vírus semelhantes ao da varíola sem que a população mundial esteja preparada, seja de forma natural ou por bioterrorismo.

Muitos laboratórios ao redor do mundo a partir da década de 80, destruíram suas amostras exceto dois laboratórios que tiveram permissão para manter suas amostras, o CDC, Centers for Disease Control and Prevention, nos Estados Unidos e o VECTOR, Centro Estadual de Pesquisa de Virologia e Biotecnologia, em Koltsovo, região de Novosibirsk, na Federação Russa. Em 1999 que seria a data limite para a destruição dos estoques dos vírus, o então presidente Bill Clinton, decidiu manter os estoques sob o argumento de que isso seria “essencial para o desenvolvimento de novos fármacos antivirais e vacinas”. Desde então a OMS vem fazendo um papel importante, garantindo que as condições de biossegurança sejam atendidas, minimizando a ameaça de liberação dos vírus no meio ambiente, assim como o acompanhamento de projetos e novos estudos a partir da aprovação oficial do Comitê Consultivo da OMS em Pesquisa do Vírus da Varíola (ACVVR).

Epidemiologia da varíola

Na taxonomia dos poxvírus que infectam humanos são conhecidos quatro gêneros: orthopoxvirus, parapoxvirus, yatapoxvirus e molluscipoxvirus. As espécies pertencentes aos orthopoxvirus são o centro da discussão atual: vírus da varíola, vírus vaccínia, cowpox e vírus da monkeypox.

No fim da campanha de erradicação da varíola, muitos estudos foram feitos reforçando pontos importantes sobre a transmissão entre humanos pelo orthopoxvirus varíola. A transmissão pode ocorrer por inalação de grandes gotículas transportadas pelo ar, contato prolongado ou próximo de pessoa a pessoa, por fômites e contato com material infeccioso a partir dos exantemas.

A varíola está na Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos nos serviços de saúde pública e privados em território nacional atualizados pela Portaria 264 de 17/02/2020 com notificação imediata para Ministério da Saúde, Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde.

Espécie vaccínia: é utilizada em preparações de vacinas e não tem nenhum hospedeiro conhecido, no entanto, já foram identificadas diversas variantes com casos de infecção em tratadores de gado aqui no Brasil, vírus Cantagalo e cepas correlatas: vírus Araçatuba, vírus Belo Horizonte, vírus Passatempo e outros.

O esquema vacinal por meio de multicultura com agulha bifurcada é usado por profissionais de saúde, profissionais de laboratório que estão em contato com o orthopoxvírus e alguns militares nos Estados Unidos. A vacina da varíola é composta de vírus vivo replicativo e promove alto índice de eventos adversos. Entre as complicações mais importantes estão a vaccínia progressiva, eczema vaccinatum, vaccínia generalizada, encefalopatia pós vacinação, encefalomielite pós vacinal, cardite e infecção acidental.

Veja na imagem abaixo as contraindicações para o uso da vacina contra varíola ACAM2000 em pessoal de laboratório e de saúde em risco de exposição ocupacional a orthopoxvírus.

Tabela das contraindicações da vacina da varíola, retirada de: http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.mm6510a2ícone
Tabela das contraindicações da vacina da varíola, retirada de: http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.mm6510a2ícone
Tabela das contraindicações da vacina da varíola, retirada de: http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.mm6510a2ícone

Vírus cowpox: tem hospedeiros conhecidos e ocorrências em várias espécies exóticas cativas em zoos europeus, sendo transmitidas ocasionalmente a tratadores de animais. O vírus cowpox é encontrado em roedores na Europa e Ásia. Na Grã-Bretanha os vírus são encontrados em ratos bank voles e camundongos da floresta, a infecção é uma zoonose e a fonte mais comum são os gatos domésticos com hábitos de caça, assim como cães de caça. No entanto, nenhum caso da cowpox bovina foi detectado desde 1976.

Vírus monkeypox: a infecção humana foi identificado pela primeira vez em 1970 na África Ocidental e Central e reapareceu em 1996 na República Democrática do Congo em casos de contato secundário inter-humanos. Em 2003 surge nos EUA por remessa de animais oriundas de Gana. A infecção mostrou-se de menor gravidade com importantes diferenças nas manifestações da doença quando comparada aos casos do Congo em 1996.

Manifestações clínicas

As manifestações clínicas variam em função do tipo, a OMS caracterizou 8 tipos com definições clínicas distintas, varíola sine euruptione que compreende 90% dos casos, modificada, ordinária individualizada, ordinária semiconfluente, ordinária confluente, plana, hemorrágica precoce e tardia. Os sinais e sintomas se assemelham entre todos os tipos, apresentando maior ou menor complicação, do mais comum ao mais raro e grave. Os sintomas são: febre, prostração, dor de cabeça, vômito ou dores abdominais, dores nas costas, com ou sem exantema entre pústulas redondas bem definidas, petéquias, vesículas moles, bolhosas e edema da pele atingindo face, palmas das mãos e pés, e em qualquer parte do corpo.

Alterações Bioquímicas: Nos estudo feitos em animais com altas dose de varíola endovenosas mostra concentrações bioquímicas significativas de interferon tipo I, I-L6, interferon-g, D-dímero e trombocitopenia sugestivas de coagulação intravascular disseminada, assim como óxido nítrico mensurável no plasma e apoptose de células T em órgãos linfóides. São reduzidos os níveis de TNF- α assim como a expressão de genes regulados por NFkb.

Os critérios de avaliação da varíola em comparação a varicela podem ser acessados em: https://www.cdc.gov/smallpox/pdfs/smallpox-diagnostic-algorithm-poster-11×17.pdf

Diagnóstico e tratamento

O tratamento passa a ser de suporte, isolamento, antibioticoterapia para infecções secundárias e são considerados alguns antivirais, o tecorovirimat já aprovado pela FDA, U.S. Food and Drug Administration, antes com o nome de ST-246, o experimental brincidofovir que segue com estudos e o cidofovir que apresenta nefrotoxicidade.

A plataforma GeneXpert está sendo usada para o diagnóstico e vigilância na República Democrática do Congo com ensaio multiplex PCR para varíola. Somente pacientes que correspondam a definição da clínica da varíola, devem fazer o teste em função da necessidade de um nível de segurança que poucos laboratórios têm. Ver critérios de avaliação para varíola em: https://www.cdc.gov/smallpox/pdfs/smallpox-diagnostic-algorithm-poster-11×17.pdf e https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/multimedia/clinical-calculator/avaliação-do-risco-de-var%C3%ADola-versão-10-2002-do-cdc-via-treecalc

Geralmente a gravidade da doença se correlaciona a uma titulação alta do vírus e consequentemente a intensidade das erupções cutâneas. Nota-se ainda que, a gravidade da varíola não está necessariamente ligada as cepas e sim aos defeitos na resposta imune do hospedeiro. Sendo assim, uma das formas profiláticas não medicamentosas é a manutenção do aspecto salutonêgico do indivíduo e a capacitação da imunocompetência. Hábitos alimentares e de higiene são recomendados para minimizar a possibilidade da disseminação da infecção, evitando a ingestão de carne mal-passada e de boa procedência.

Imunomodulação

A alimentação, sendo prática diária obrigatória, é indubitavelmente importante, iniciando pelas escolhas dos alimentos, variabilidade, prática da sazonalidade, produção caseira e diminuição significativa de produtos industrializados processados e ultra processados.

A regulação da ingestão calórica há de ser baseada nas necessidades do indivíduo a depender do seu estilo de vida. O consumo de nutrientes em excesso pode levar ao envelhecimento precoce, o que vai na contramão da saúde imunológica, assim como o baixo consumo de nutrientes.  Destaque para as vitaminas A, D, E e os minerais Zinco e Selênio que exercem importante papel nas funções do linfócito T, na regulação de macrófagos, produção de óxido nítrico e a promoção de um terreno biológico menos inflamado.

A disbiose intestinal altera a resposta imunológica promovendo um estado pró inflamatório, ambiente desabsortivo para vitaminas, inativação de enzimas digestivas favorecendo o surgimento de muitas doenças autoimunes. Uma suplementação periódica de cepas probióticas em dias consecutivos auxilia na síntese de vitaminas do complexo B, vitamina K, ácidos biliares e mantém a integridade da mucosa intestinal e a inibição de bactérias piogênicas.

A provisão de ácidos graxos n-3 como agentes antinflamatórios em proporções adequadas, eicosapentaenóico (EPA) e docosahexaenóico (DHA), diminuem a produção de interleucinas (I-L6), inibe osteoclastos, retarda doenças cárdico vasculares por alterar a composição lipídica e o fluxo de colesterol, e ainda o ácido linoléico conjugado (CLA) reduz produção de óxido nítrico entre outros benefícios.  

Leia também Checklist básico para uma alimentação saudável

REFERÊNCIAS

Are We Prepared in Case of a Possible Smallpox-Like Disease Emergence?. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32962316/ > acesso em: 20 de maio 2022.

Cecil Medicina/Lee Goldman, Dennis Ausiello; [tradução Adriana Pittella Sudré…et al.]. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

Evaluating patients for smallpox. Disponível em:<https://www.cdc.gov/smallpox/pdfs/smallpox-diagnostic-algorithm-poster-11×17.pdf> acesso em: 20 de maio 2022

Nutrição moderna saúde e na doença/Shils, Maurice; Shike Mosche; Ross, A.Catharine; Caballero, Benjamin; Cousins, Robert J. – Barueri: Manole, 2009.

Use of Vaccinia Virus Smallpox Vaccine in Laboratory and Health Care Personnel at Risk for Occupational Exposure to Orthopoxviruses — Recommendations of the Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP), 2015. Disponível em: < https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/65/wr/mm6510a2.htm > 20 de maio 2022.

Virologia humana/ Santos, Norma, Suely de O.; Romanos, Maria Teresa V.; Wigg, Marcia D. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015.

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